1O conceito dezona de desenvolvimento proximalpode ser visto a partir da perspetiva construtivista de Lev Vigotski como uma forma de interpelar as perspetivas tradicionais sobre o modo de abordar os processos de aprendizagem num caminho que vai de uma questão individual, para passar a ser pensado como um problema coletivo e, por conseguinte, do vínculo do sujeito com os outros.
2Segundo Vigotski, apoiada na interação com um adulto, a criança apresenta outras potencialidades para além das que manifesta desenvolvendo as suas atividades de forma autónoma, projetando-se desta forma em relação à sua situação presente, superando com maior facilidade os problemas cognitivos com que se confronta, distinguindo a atividade autónoma e independente, e a interativa e grupal. A zona de desenvolvimento proximal expressa que, mediante a ‘emulação’, torna-se difícil para a criança superar distintas situações problemáticas que se lhe apresentam. Pelo contrário, mediante a assistência, a mediação e a interação, a criança enfrenta com maior eficácia as situações mais próximas do seu ‘grau de desenvolvimento’.
3Desta forma, as potencialidades diferenciais da criança, de passagem de um ‘saber fazer’ autónomo para um ‘saber fazer’ mediado por outro, configura o sinal mais relevante para dar conta do desenvolvimento dos seus saberes e aprendizagens, e da sua eficácia na resolução de problemas. Isto corresponde, de acordo com Vigotski, à sua zona de desenvolvimento proximal:
‘Em colaboração, a criança é mais forte e inteligente do que no trabalho independente, eleva-se, em termos do seu nível, para além das dificuldades intelectuais que resolveu, ainda que exista sempre uma distância fixa e regular que determina a divergência entre o trabalho independente e o trabalho assistido. As nossas investigações demonstraram que, com ajuda da imitação, a criança não resolve todos os testes que permanecem por resolver. Chega até certo limite, diferente para cada uma das crianças (…). Em colaboração, a criança resolve com maior facilidade tarefas próximas do seu nível de desenvolvimento; logo, a dificuldade na resolução cresce e, finalmente, passa a ser insuperável mesmo para a resolução em colaboração. A maior ou menor possibilidade de a criança passar do saber fazer por sua conta ao que sabe fazer com assistência, constitui o sintoma mais sensível para caraterizar a dinâmica do desenvolvimento e do êxito da sua atividade mental. Coincide num todo com a sua zona de desenvolvimento proximal.’(Vigitski, 2007, p.335).
4Ou seja, o conceito de zona de desenvolvimento proximal, permite pensar processos de aprendizagem como um saber coletivamente gerado, supondo que exista interação entre umConheça maduro, sistematizado, o do adulto, e umsaber espontâneo, desorganizado, o da criança (Vigotski, 2007). O conceito chave que delimita a utilização habitual da noção de aprendizagem e/ou desenvolvimento para Vigotski, era o deindividuação do discursodo sujeito com os outros, que se refere na sua origem às interações linguísticas intersubjetivas. Nesta interação complexa entre o ‘interno’ e ‘externo’, o autor russo, assinalava que as relações exógenas e intrapsíquicas – criança/adulto – transformavam-se em competências mentais endógenas e intrapsíquicas, que se referem ao processo de institucionalização do mundo subjetivo da criança com raízes nas relações comunicativas (Kozulin, 1995, p.26).
5Isto expressa-se no manuseamento dos mecanismos de síntese e generalização na construção de saber, adicionados ao desenvolvimento do pensamento em ‘complexos’, o que permite orientar a criança para a construção de um saber mais sistemático. Esta construção de saber concetual configura, de acordo com Vigotski, a última etapa no processo de formação da criança e é a forma através da qual ela compreende e interpreta as situações nas quais está inserida. Neste desenvolvimento de construção de saber concetual, o eixo central é ocupado pela palavra em interação com o adulto. É através da mesma, que a criança direciona o seu olhar para certas caraterísticas, realiza os processos de síntese, de simbolização e codificação do saber abstrato, e a utiliza como um sinal altamente sofisticado e construído coletivamente.
‘O conceito surge quando uma série de atributos já abstraídos são sintetizados novamente, e quando a síntese abstrata obtida deste modo se converte na forma fundamental de pensamento mediante a qual a criança compreende e interpreta a realidade que a rodeia. Como já tínhamos dito, neste processo de formação dos verdadeiros conceitos o papel decisivo pertence à palavra. Precisamente por meio da palavra, a criança dirige voluntariamente a sua atenção para determinados atributos, por meio da palavra sintetiza-o, por meio da palavra simboliza o conceito abstrato e opera com ele como o sinal mais elevado de todos os que foram criados pelo pensamento humano ‘(Vigitski, 2007, p.249).
6Por esse motivo, na zona de desenvolvimento proximal é central, para entender o processo de aprendizagem, a análise de regras e convenções que ordenam as palavras e seus modos de utilização (gramática-sintaxe), como fenómenos caraterísticos do discurso interno, e como as que definem a origem do diálogo com o outro, no âmbito de uma reflexão para si mesmo.
7Dito de outra forma, Vigotski situa no discurso interno (discurso do sujeito para consigo próprio) o processo efetivo individual, como o modo como o discurso e a reflexão são predefinidos pela cultura. Estes esquemas discursivos, baseados em normas culturais, são reorganizados no modo de reflexão verbalizada individualmente a partir da passagem da interação com o outro, externa, ao discurso interno. Assim, a compreensão comunicativa e o diálogo subjetivo – reflexão interna –, apresentam-se como o eixo de maior relevância na análise deste autor (Kozulin, 1995).
8Num outro plano de análise, o conceito de zona de desenvolvimento proximal é útil, entre outras coisas, para a análise de processos coletivos de aprendizagem baseados na prática e na experiência, e de forma central para pensar processos como os daformação profissional. Assim, a partir do enfoque vigotskiano toda a atividade de aprendizagem profissional é ‘situada’, uma vez que é na relação entre o adulto/especialista – saber sistematizado - e a criança/aprendiz – saber espontâneo e desorganizado –, que a chave do desenvolvimento se encontra, no caráter negociado do significado e na natureza comprometida (ou seja, orientada por problemas) da atividade de aprendizagem.
9Considerado este conceito para abordar processos de aprendizagem associados ao mundo do trabalho, pode assinalar-se que a zona de desenvolvimento requer uma ‘transação’ entre o ‘especialista’ e o ‘aprendiz’. A interação é, portanto, determinante para a aprendizagem. Isto é, o intercâmbio linguístico-cognitivo que se realiza em torno de diversos ‘objetos’ de conhecimento aparece como o modo chave de geração de todo o saber. Saber este que está fortemente ligado e é dependente na sua organização da experiência do sujeito e da abertura de possibilidades de aprendizagem.
10Então, a zona de desenvolvimento proximal, onde os conceitos espontâneos desenvolvidos na experiência de uma criança/aprendiz, empiricamente abundantes, mas desorganizados, se encontram com a sistematização e lógica do raciocínio adulto/especialista, mostra-nos que, como resultado de tal encontro, a «debilidade» do raciocínio espontâneo fica compensada pela robustez da lógica sistemática e/ou científica.
11No campo do mundo do trabalho a aprendizagem associa-se, então, às possibilidades de cooperação entre os intervenientes em interação, e à existência de um contexto, no qual sejam identificáveis as regras e lógicas de ação, tal como acontece num processo de trabalho. Ou seja, pode pensar-se o conceito de zona de desenvolvimento proximal, no campo da formação profissional, associado a uma organização sociocultural do espaço de trabalho; e que assume a forma de atividade em comum e de circulação de habilidades e/ou saberes.
12Sob estas regras, na relação entre aprendiz e mestre, nesta zona de desenvolvimento vigotskiana, a capacidade de resolver problemas é com frequência capacidade de os representar corretamente, sendo então claro o vínculo entre aprendizagem e competências linguísticas do sujeito enquanto habilidades argumentativas de interação e comunicação.
FAQs
Qual é a função da zona de desenvolvimento proximal? ›
“A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas estão em processo de maturação, funções que amadurecerão mais cedo ou mais tarde, mas que atualmente estão em estado embrionário" (VYGOTSKY, 1978).
O que é zona de desenvolvimento profissional? ›Na explicitação mais difundida, a ZDP é descrita como a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela capacidade de resolver tarefas de forma independente, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado por desempenhos possíveis, com ajuda de adultos ou de colegas mais avançados ou mais ...
Como trabalhar a zona de desenvolvimento proximal? ›Seja através de jogos, da atuação do educador, das mediações com família ou da intervenção de um profissional, ocorre o estímulo da potencialidade da criança na zona de desenvolvimento proximal, ou seja, é um ponto de transformação frequente, e uma vez que a criança realiza uma atividade com o auxílio de alguém hoje, ...
Qual a importância da mediação docente na zona de desenvolvimento proximal do aluno? ›A mediação realizada na zona de desenvolvimento proximal do aluno estabelece uma série de esquemas mentais capazes de gerar as aprendizagens significativas.
O que é a zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky? ›Já a zona de desenvolvimento potencial refere-se aquilo que o sujeito é capaz de realizar com auxílio. Todo saber que permite a realização de uma tarefa, desde que haja mediação, está contido no nível de conhecimento potencial.
Por que segundo Vygotsky a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento? ›Vygotsky fala que o desenvolvimento ocorre a partir das relações sociais, e através disso a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento e ambos são indissociáveis, ou seja, quanto mais aprendizagem mais desenvolvimento.
Quais são as três zonas de desenvolvimento criadas por Vygotsky? ›1), Vygotsky teria considerado três zonas de desenvolvimento: “real (aquilo que se faz sozinho), potencial (o que pode se realizar com auxílio de pessoas mais experientes) e proximal (o que está em amadurecimento)”.
Quais são os níveis de desenvolvimento Segundo Vygotsky? ›Existem, pelo menos dois níveis de desenvolvimento identificados por Vygotsky: um real, já adquirido ou formado, que determina o que a criança já é capaz de fazer por si própria, e um potencial, ou seja, a capacidade de aprender com outra pessoa.
Quais são os principais conceitos da teoria de Vygotsky? ›Resumo: os pilares básicos do pensamento de Vygotsky
O funcionamento psicológico tem como base as relações sociais, dentro de um contexto histórico e cultural; A cultura é parte essencial do processo de construção da natureza humana; A relação homem-mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos (signos).
A Zona de Desenvolvimento Proximal consiste no campo interpsicológico, constituído na e pelas interações sociais em que os sujeitos se encontram envolvidos com problemas ou situações que remetam à confrontação de pontos de vista diferenciados.
Qual a aplicação do conceito de zona de desenvolvimento proximal para o processo de Ensino-aprendizagem? ›
Concluímos que a ZDP desperta nos educadores uma grande expectativa ao se trabalhar no contexto da sala de aula por que em contato direto com os alunos podem observar o movimento que as funções mentais estão realizando e identificar como auxiliamos para que a aprendizagem seja significativa.
Qual a relação entre a zona de desenvolvimento proximal e A educação segundo a teoria de Vygotsky? ›O educador também não pode se esquecer de outro ponto crucial na teoria de Vygotsky: a zona de desenvolvimento proximal tem limite, além do qual a criança não consegue realizar tarefa alguma, nem com ajuda ou supervisão de quem quer que seja.
Como Vygotsky vê o professor? ›Para Vygotsky, o professor é figura essencial do saber por representar um elo intermediário entre o aluno e o conhecimento disponível no ambiente. No início da infância, explorar o ambiente é uma das maneiras mais poderosas que a criança tem (ou deveria ter) à disposição para aprender.
Qual a tendência pedagógica de Vygotsky? ›Vygotsky acreditava que o professor deveria mediar a aprendizagem utilizando estratégias que levem o aluno a tornar-se independente. A isso, ele dava o nome de zona de desenvolvimento proximal, que seria o caminho entre o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela está perto de conseguir fazer sozinha.
Qual é o papel do aluno na teoria de Vygotsky? ›O aluno, no modelo de Vygotsky, não é apenas o sujeito da aprendizagem, mas aquele que aprende com o outro aquilo que seu grupo social produz.
Quais são os 4 estágios do desenvolvimento cognitivo para Piaget? ›- Estágio sensório-motor. Faixa etária: do nascimento aos 18-24 meses de idade. ...
- Estágio pré-operatório. Faixa etária: dos 2 aos 7 anos de idade. ...
- Estágio operatório-concreto. Faixa etária: dos 7 aos 11 anos de idade. ...
- Estágio operatório-formal.